31/08/2016

cristiane bremenkamp cruz

ela escreve e arde
escreve porque arde
e prova: arte é fogo

(tipo não chorar na peça)

numa dimensão essa
além da palavra e seu uso
além dos abusos
(ave do bem assustada com líquidos, curvas, flautas e ventres sem rima)
nesta dimensão sem rumo
então
meu eu-lírico e o seu
dão as mãos

28/08/2016

crise ética?

O Budismo acha os "ismos" problemáticos. Até mesmo o do próprio Budismo. Levantar bandeiras é desenvolver cegueiras... Mas penso sinceramente que a visão da direita é mais egoísta e autocentrada enquanto a da esquerda tende a um bem maior pro coletivo, principalmente os menos favorecidos. O problema é que, na prática, hoje em dia, os conceitos de direita e esquerda estão confusos e sucumbem perante os interesses das organizações que financiam as campanhas milionárias fundamentadas em marketing. Quais os limites teóricos e práticos de nossos partidos de direita e esquerda? Basta ver as alianças que os partidos fazem para chegar ou se manter no poder, a bagunça é total. O perigo dessa falta de um sentido maior em tudo e de moralidade é começarmos a bagunçar até nossas leis e direitos adquiridos (que, em geral, protegem os que mais precisam). Mas é sempre legal olharmos pra nós mesmos também, essa crise moral está em cada um de nós, em cada pequeno ato não pensado: quando tentamos obter vantagens indevidas, furar filas, favorecer amigos e familiares, burlar leis de trânsito sem ser pego, etc.

26/08/2016

o rio de janeiro é minha kryptonita

o rio de janeiro é minha kryptonita
o rio de janeiro me exercita
a arte da solidão

o rio de janeiro tem corpo são e mente vazia
o rio de janeiro é ilusão
sem curupira
com caipirinha pra descer melhor

eu piro no rio de janeiro
com pira, tocha e olimpíada
mas sem chamego

lá fora o mundo inteiro
para voar sem pena
e aqui abaixo dessas montanhas-casas
caminham só garotas de ipanema
olhando (sós) o celular

com glúteos
sem asas

abacaxi (sem 15 minutos)

passei rápido
e não me vi

não ser

não flor

não sei mais de arrepio
concentrado
na confusão
que eu mesmo crio

e se não for?

frio ou não frio
faço ou não faca
entrega imediata
de nada inteiro

sem 15 minutos parado
nada faz sentido

crio projetos metas paixões
e acredito

dito leis
mas esqueço a poesia

tendência a debater sobre reis
com quem não ouve peões

movo a mão ainda enxugando gelo
mesmo fora do emprego
mesmo fora do não

24/08/2016

o caminho é in, não out

aparafuso letras negras
no amplo mar do agora
(branco)

nada a mudar
nem canal
nem ar
condicionado

feriado ou não-feriado
seriado ou tv normal

é hora de parar de jogar sempre atrasado
moedas em fontes externas

23/08/2016

ponte

estamos sempre fazendo obras
querendo algo concreto com concreto
estável
firme

sem notar que nada duro dura

nada além da lenda
dos ecos do silêncio
reverberando apenas
nossos próprios hábitos

21/08/2016

tinha um poema no meio do seu nome

não é a falta do sexo
é a falta da ternura

sexo se faz fácil mas não cura
(até se compra no supermercado)

é a ausência indizível
maior que a invisível mão dada:
sagrada carne construída cadeado

como evolução, ouvir teu nome
passou passará passaria
de mão apertando o peito do pássaro
a uma tristeza esparsa pelo fim de um sonho que não deveria

não passou
não passará
não passaria

não passa, não muda
mesmo que os olhos vertam rios
mesmo se os dias não fossem tão frios
mesmo que as mãos digitem todas as palavras de neruda

na prática

sonhos de cimento
constroem o vazio
deste apartamento

ausências sólidas
de planos, corpos,
sentimentos

o sábado volta arrepio
de sete em sete dias
frio depois de frio

lá fora
todos bem
obrigado

lá fora elas
e janelas
também

além das condições

as flores vencerão

as sementes sempre chegam
quando a terra não está pronta

quando há água demais
ou excesso de sol

mar muito perto
ou falta de sal

mas a noite se transmutando em música
e o silêncio do sereno adivinham:

as flores
vencerão

18/08/2016

pra não dizer que não falei do vazio

agosto lentamente se desmonta

surfo em amores líquidos
sem medo de começos ou de não começos
sem grandes escolhas

apenas atento

sinto a superação olímpica de minha timidez
e a depressão pós-pódio
(vitória? derrota? whatever)

eu já sei o caminho
eu cansei do meu mundinho escolhido
encolhido
previsível

mas não voo
não sigo sozinho
o caminho que já sei
o caminho que já sou

cabe dizer porém
que vagarosamente o espaço ganha espaço

lentamente desço dos conceitos

e as ondas grandes desaparecem num mar maior

venta

a palavra atenta
sente a enorme liberdade
da folha que a sustenta

13/08/2016

entre meu ser e o ser alheio a linha de fronteira se rompeu

sem escolas
seríamos mais sábios

assim caminho
parado

armas de destruição em massa
invisíveis
insensíveis
inexistentes

extremistas
terroristas
marxistas

vou sim
sem ismo
sem siso
sem memória

lembrando waly salomão:
- a memória é uma ilha de edição

para algo precioso

é preciso
saltar sozinho
do alto da noite

deixar para trás

minha ruiva favorita
distribui amor
num mundo que ensina medo

tudo o que o normal
nos manda fazer logo cedo
fazemos ao contrário e atrasado

- soltem nossos braços!

assim vamos juntos:
de braços separados

12/08/2016

redescobrindo eduardo marinho

a vida é muito curta
pra virarmos velhos atrasados
arrependidos
arrasados
sem sentido
sem sentidos

cabeças de fósforo incendiando nas ruas
definhando no escritório
ou esquecendo no bar

a sabedoria não tem nome próprio
não tem religião
não tem adiamento

nascemos aqui
é aqui que devemos
renascer maior

dançar profundo na dor
conforme a música
conforme o momento

mudar o mundo
começando de dentro

sexta-feira 12 (teto estrelado)

(Para Libório)

começo um poema errado
pelo fim do feriado de finados
sob amplo céu

transtornos tortos
hábitos mesmos
mesmo fel

uma lesma
agora morre na indonésia
sob uma resma de papel

termino um poema
num vivo feto
feio e certo

pequenina acomodada ao meu corpo

o euteamo
mais bonito
é o não dito

10/08/2016

incisivos de prometeu (coleção)

tarde, meu nome é assédio
farejo donzelas a perigo
me meto onde consigo
e prometo o que for preciso
pro_meter

do não ter jeito (li líquido)

é fase de moscas mortas
voando lentas
sobre refúgios tortos

nada claro
nada visceral
nenhuma palavra verdadeira

a beira
de um grau de desinteresse proporcional
ao grau de descompromisso
total

é tempo
de raso
e de pouco

é tempo
de amor só pros loucos
tipo arlequina e coringa
(não pros infinitos batmans atrás das máscaras)

rio duplicado
dos terapeutas
que não se curam

09/08/2016

tempos olímpicos

quatro anos
ou a vida toda
por água abaixo em segundos

ou a vitória consagrada em ouro
pra pendurar no pescoço:
melhor do mundo

extremos opostos
exatamente iguais
pras estrelas distantes

08/08/2016

geral

você queria mãos maiores
para proteger a pequenina semente
dos desígnios de um deus criador de mosquitos
e dos homens que não resolvem nem isso

você queria mais mãos
porque o sofrimento corrói toda direção

sonhando com dias melhores
somos hamsters correndo nas gaiolas
sem hamsters e sem gaiolas

sem tempo

precipitar

silencio a superfície
enquanto o mar ainda quer

quer a cada onda

(tudo sacrifício)

quer

quer

quer

as gaivotas acima
cruzam o céu imenso
sem deixar nenhum rastro

não as alcanço

precipício
de punhos fechados

06/08/2016

lótus

sem a base firmemente arraigada no erro
o talo não ultrapassaria a profundidade das lágrimas
para se abrir em flor

de onde tudo brota

mais simples
que nossas histórias e dores

anterior
aos nossos amores condicionados
aos nossos nomes
às nossas faces
à palavra nosso

mais duradouro que o tempo
mais amplo que o espaço

03/08/2016

exit (piedade)

esta noite eu soube que roberto piva
também não reescreve porra nenhuma
que a vida é curta demais pra reescrever poesia

eu sempre soube disso
bukowski e nietzsche também

eu direi as palavras mais poluídas esta noite

o poeta é um inconformista
malabarista de palavras
onde tudo acaba em pizza
(e trânsito lento)

lírios de ferro amplamente iluminados
faixas exclusivas para pedestres aéreos
helicópteros subterrâneos perseguindo almas líquidas

a salvação na poesia
a salvação no sagrado
a salvação no sexo
o poeta só: sol sem salvação

esta noite o cão do prédio não uivou
mas sirenes cantaram pra olimpíada
dormir a população

meu esporte é a morte que se aproxima
meu tempo é curto

pavio
pavê
navio

num mar cada vez mais
molhado de incompreensível

na solidão dos taxistas sem uber
e das prostitutas sem tinder

escrevo
logo existo

para isto fomos feitos

escrevo com a cara no sol
e a cabeça nas nuvens

a tempestade vermelha em seus cabelos
me traz tanta paz

idolatro seu perfume
de flor em botão

seus pés pequeninos
vendo comigo o jornal da globo
e minha coleção inútil de moedas velhas

seus olhos sempre maquiados
comendo frango
arroz
feijão

algo me diz que eu deveria
não sair de casa sem guarda-chuva
não soltar pipa no vento
não arriscar tanto
mas gosto de sim

(a vida é feita disso)

assim
quando ela respira mais forte
eu me perco de mim
eu me perco de tudo

e quando ela vai embora
eu
não
durmo

02/08/2016

a lua tem água

a lua tem água
e derramo do prédio mais alto
minhas histórias mal contadas

01/08/2016

Crítica ao meu novo livro "Romance de Começos"

Hoje recebi do velho amigo poeta Luiz Libório (conheçam o blog dele, vale a pena) esta crítica ao meu novo livro "Romance de começos", que está disponível gratuitamente aqui no Scribd. Leiam:

Em primeiro lugar, achei bonito algum princípio de organização, mesmo que óbvio. Como em “sou ateu mas creio no chupacabras” estar depois de uma breve discussão sobre a escravidão pós-Deus que descamba no desespero de encontrar um filósofo contemporâneo autóctone, sucedido por “Passei por gente e pensei: são humanos. Só querem ser felizes”. Quer dizer, sei lá se foi de propósito, mas eu entendi como se fosse. 
Por que esperar filósofos de humanos como eu? etc.
Se bem que esse “chupacabras” me atormentou, no sentido de parecer algo tragicomédia. Modernista, saca? Olha esse trecho de Macunaíma: 
"Cruzou os braços num desespero tão heróico que tudo se alargou no espaço para conter o silêncio daquele penar. Só um mosquitinho raquitiquinho infernizava inda mais a disgra do herói, zumbindo fininho: ‘Vim di Minas... vim di Minas...’"
Vê como a linda primeira imagem é destruída por essa comédia forçada? Seu livro me deu essa impressão. Muito.
Errar como Mario de Andrade. Nada mal, ahm?
Há construções de imagens lindas mas quebradas com esse tipo de sarcasmo:
“Se me movo, universitárias sabichonas ou estudantes da função quadrática se amontoam semestralmente em torno de meu sexo sem futuro: masturbação mental e orgasmo difícil. Se me movo minimamente em direção aos seios tenros enquanto falo de borboletas azuis em versos frágeis, do ovo do tempo nasce apenas o coito, a duras penas. Coito cada vez menos mágico.”
“Função quadrática” e “masturbação mental” são termos prontos que desfazem a criatividade (em mim) dos seus termos. 
“Em direção aos seios tenros” é tão forte que me lembrou uma imagem que li quando criança e nunca esqueci, algo que dizia do cheiro de seio que desprendia de uma adolescente (Breve Romance de Sonho, Schnitzler). Coisa fina. 
Mas “sabichonas” é um negócio de um mau gosto fodido. 
Quer dizer, esses adornos mal postos aparecem sempre, como espinhos. Uma boa ideia, tipo “se amontoam semestralmente em torno de meu sexo sem futuro” apodrecidas por “masturbação mental”. 
Lembrei que o Bukowski também faz essas coisas, de estragar imagens, e eu também fiquei muitas vezes incomodado com isso nele (não leio mais Bukowski; hoje o acho um Rei Lear que “ficou velho antes de ficar sábio”, um adolescente eterno). 
Em tempo: “do ovo do tempo nasce apenas o coito”. Que coisa linda! E perceba que é algo novo construído de elementos velhos (“tempo” e “ovo” são relacionados normalmente). Saca? Tô sendo chato? Pois bem.
Estou me sentindo o Mário Faustino falando porque o Jorge de Lima era o maior poeta brasileiro de todos os tempos e ao mesmo tempo era um mau poeta.
Será que somos bons poetas?
Gostei do plano de fundo “não me movo” que descamba em sentir uma paz “sem” (“sem um encontro no sábado, sem esperança futura, sem sexo há meses”), como se você estivesse para ser pedra, um Buda rochoso mesmo.
No fim da citação inicial há “excesso de ficção barata difundindo essa mitologia”. Eu ri. Você está falando do próprio livro? Queria que você tivesse mantido os casos censurados. 
“Romance de começos”: um relacionamento romântico que nunca passa do início ou um romance literário que não passa da primeira página?
Enfim: gostei? Não sei. Acho que como livro, não. Mas algumas imagens me emocionaram.
“Lustrar a alma cheia de dentes no próprio suor contente”. Bonito mesmo. Meio Breton em Nadja.
Saiba que escrevo DE CORAÇÃO.
Estou cansado de muita coisa, entre elas: dar opinião poética sem que seja DE CORAÇÃO.