29/02/2016

amy

o pai largou ela e a mãe
cedo

ela se recuperou logo

com drogas
antidepressivos
poemas
namorados muito mais velhos...

e a maior voz do nosso tempo

quarto na penumbra

ela goza
gemendo baixinho

troco a expectativa pelo agora
a imaginação pela realidade rosa
a fantasia pela nudez
(tudo o que vejo)

e ela goza
outra vez
na fome do meu beijo

25/02/2016

do ainda estar aqui (em alguma parte sem veneno)

não é por saber o vazio do fruto
que não vou preparar a terra
e arar com ternura
o futuro castelo

até por todo elo vivido ser verdade
mesmo quando só resta silêncio
depois do som do roído

até por eu ainda estar
(mesmo que derrotado em arte)
em algum lugar aqui
dentro
de tanta idade

24/02/2016

fim do mundo

com nossa visão e hábitos
construímos um mundo sólido
que não há

noto de dentro do silêncio
a ansiedade
esperando o e-mail chegar
(sem nem saber exatamente o que virá nele)

noto dentro do silêncio
a ilusão de um eu
que se cria a cada despertar
no esforço de se confirmar a cada curtida

noto dentro do silêncio
a tentativa de manutenção de uma dor
tanto como característica
quanto como distração

23/02/2016

inconsciente maldito e liso

pra quem que eu vou contar meu sonho?

como posso logo agora sonhar isso?

como posso sonhar isso depois de tudo?

quantos ouriços pra arrancar
de toda a minha pele o seu sorriso?

pra quem que eu vou contar meu sonho?

22/02/2016

sem querer

olho a minha mente de longe

quer pagar contas
fazer poemas
marcar a vistoria do carro
encaixar o amor romântico num futuro bom
não esquecer o mate fora da geladeira

quer, basicamente, querer
e conta histórias para se distrair do céu
de si para si

então acendo uma vela
e deixo ela seguir
até ela cansar de ser ela
(até eu cansar de ser só eu)

21/02/2016

da rara simplicidade

o beijo como encontro de espelhos
movimentos lentos
pra não perder
nem tirar a paz

presença
verdade
confidência
sorriso

nada a construir
tudo a construir
vamos

um toque sutil de peles
um filme, um jantar, um abraço longo:
muito mais

19/02/2016

paz e pais

a vida tá na foto do céu
na foto das gatas
no filme visto junto

a vida não engavetada:
nos cantos que tocam o ar
até semear ouvidos

palavras colhendo olhos
(múltiplas
múltiplos)

a vida
tá no silêncio

enfim

desisto de ser uma pessoa melhor
desisto de alcançar um outro nível de lucidez
desisto de insistir
desisto de tentar

solto corpo, fala e mente
solto a energia

agora sim
começo
(no fim)

17/02/2016

noite alta

ela dança
nas minhas letras
nos meus planos
na minha posse

eu sorrio
porque ela ainda
canta

15/02/2016

não mande nudes ao poeta

a musa que manda nudes
antes mesmo de dizer o nome
ou bom dia
confunde as estrofes
enrola as letras
naufraga a poesia

(por favor, mande nudes ao poeta)

desenvolvendo prajna

a contribuição para o todo
de um einstein ou de uma lesma
é a mesma

13/02/2016

noturno 57

somos todos crianças
querendo a casa da mãe
com sono e queixas
com distrações e ais:
sós demais
para perceber
a casa em nós

11/02/2016

sonho acordado

em pernambuco
meu coração maluco
pulsa caetano na tua voz

um dia a areia branca
a vida inteira
(belo belo)
a casa encontrada ao acaso
sem ruir como castelo

eu casaria

e eu que tanto suei
tentando dançar sem canção

agora me aparece ela:
pérola
pérola!

e todo o meu coração
não sabe de mais nada

minha falta de opção
quer pegar em letras
quer fazer versos bonitos
pra prolongar essa atração
pra semear nossa natureza

para seguir junto
a maior quantidade de tempo possível
de tanta voz
tanta sabedoria
tanta beleza

09/02/2016

pearl jam na praia

ela é tão perfeita
que não se acha perfeita

eu vou pela rua
e prometo passar a direita
da menor possibilidade de amor

mas ela é de esquerda e seu canto
é motor de sereia
e me desacelera o pranto

ela é linda e romântica
ela entende bauman
ela sente nietzsche
ela ouve beethoven
ela sofre de juventude
ela passou no vestibular
ela gosta de loucos

ela é minha
fragilidade branca:
a voz mais forte
a utopia mais branda

desnamoro

minha dor não desenha mais o rosto da próxima
para tentar tapar o vazio da anterior

não faço mais mapa astral
para encontrar futuros românticos

a maior vitória
é desistir do cântico

07/02/2016

de fora

tenho aumentado a lista
das coisas que não fiz

por um triz o céu
por um triz o inferno

tenho aumentado a lista
das coisas que não farei

pelo bem do meu sono
e pelo sono dos homens que fazem

06/02/2016

iraniano 40 (sem romance)

do vento
do deserto
de rumi

desperta novamente
a beleza louca da mão
da letra

silêncio de coração
não do céu da boca
(noite preta)

dançaremos justamente
porque a dança é proibida

amaremos realmente
maior que nossa vida

centro da roda da vida

em nossa cegueira, autocentrados
desejamos desejamos desejamos...
e, pra defender nosso desejo, atacamos!

04/02/2016

amor romântico

vais no intuito de dar pétalas
e recebes pedras...

mas são pétalas forjadas
na irrealidade das coisas

(mãos de mendigo
querendo o sonho em troca)

como se não ventasse
como se só houvesse primavera

aí o que fazes?
paras de ir?

não.

vais.

pelo mesmo caminho desgastado

vais no intuito de dar pétalas
e recebes pedras...

03/02/2016

alice disse

alice me disse
da reclamada repetição:

se é sensual
é falso
montado
produzido:
sem alma

alice me disse então:
o gozo
é a alma do sexo

entendi

mas sigo
corpo docente
repetente
repetindo
mãos:
movimentos
mesmos

capa de revista (mãos para o alto)

enquanto endeusamos
modelos magras de dezesseis anos

gordinhas cortam a própria pele
não se sentindo amadas

homens arrancam cabelos brancos
e matam casamentos de trinta anos

velhinhas fazem plástica
e morrem nas mesas de cirurgia

e a ilusão dos dias
passa constante e silenciosa

como
um
rio


02/02/2016

excesso de falta

minha cama branca
é um redemoinho de nomes
manchas
histórias
lembranças
cabelos de toda cor

nela cochilo
giro e troco
tudo

orgasmos fáceis
orgasmos difíceis
algo indizível muito maior que orgasmos

gasto de tempo
gosto de sexo

da beira
do absurdo
ouço legião com dor
e chamo todas
(todas)
de amor

01/02/2016

whatever works: californication

casa cheia de cheiros
sabores
paz

deito no sofá
ponho a mão dela
no meu coração

eu sem entregar
meu coração
na sua mão

passarão
nosso carnaval
e nosso tempo

eu
passarinho
no ninho do presente
vou leve

voo
enquanto asa

caio
quando pranto

planto a semente mais preciosa:
sem passado
sem amanhã