31/12/2014

renascimento

você vai achar que é mentira
mas às 16:49 do dia 31 de dezembro de 2014
enquanto meu coração cansado mastigava bananada
vendo woody allen antes de meditar
brotou um besouro no meio da minha sala
no nono andar do prédio
ar condicionado
todas as janelas fechadas

um besouro preto nada simbólico
barulhento
enorme
daqueles que minha avó temia

saltei e abri as persianas metálicas
depois as artificiais janelas de vidro
e ele conseguiu sair
com algum sofrimento

(que nem cada poema que nasce)

um novo tempo

a alvorada pinta de nuvens rosadas a tela do ar
mas a menina vai cabisbaixa:
brilha a tela do celular

30/12/2014

polissílaba

catar pedaços do que se perdeu no tempo
areia foto sentimento

deixar buracos lado a lado
telas e teias tapando
uma mulher que se penteia

descobrir de quando em vez
o roteiro de partes de alguém ninguém:
um perfume perdido
um vislumbre antigo
um toque amigo

ratoeiro a mim mesmo molhado de tempo:
um frasco de fracos instantes
perante a grandeza da falta
polissílaba

29/12/2014

planos cadeados de mudar adiados

ouço sons no vácuo

um braço se estende
fora de um caramujo
apenas pra pedir
que se afastem

(sonhos atropelando sonhos. amor distante. horizonte.)

enquanto isso
sem chorar
dentro do cômodo fechado
o ar condicionado movido a índios alagados
ronrona um incômodo
e jogo no lixo não reciclado pela prefeitura
outra fruta mordida vinda de longe
que irá pra longe (gastando petróleo, produzindo CO2)
para virar chorume

26/12/2014

férias

passado o natal
deixo a manhã passar ao sol
sem apressar ou distrair os retalhos do azul

detalho: árvores balançam na brisa
na rua mesma, tão outra
tão em paz

pastam ar
uns urubus no alto
enquanto deixo passar o asfalto do trabalho

sinto o fruto do silêncio:
palavras escritas esperando folhas brancas
(pesam)

adio amadurecer
enquanto musas adiam meus sonhos românticos seus
(rezo)

vejo sem agarrar os futuros possíveis
e lembro o espaço que havia no passado
o mesmo espaço que ainda há
que sempre haverá

com mãos leves
adio tudo
(até deus)

e nesse espaço breve sem sons
fora o cheiro do bronzeador
fora o vulto da menina na piscina
fora reflexos e reflexões ondas afora

suo e sou
agora



23/12/2014

meditação de natal

não se afogar
no oceano de Djavan
(longe de ti tudo parou)

caminho cidades cinzas verticais velhas
onde pessoas brotam nos muros
separando recursos:
grafites que arranham o som dos motores com pressa
de trazer o progresso e levar o sentido

somos mais do que pensamos sobre nós
somos mais até do que o brotar do novo nos muros velhos

ah, o eterno jogo de tudo surgindo a cada segundo do nada
agora
agora
agora...

não sou nada, Pessoa
não posso querer ser nada

caminho mais então 
pra não me afogar
no menos
(o chacra laranja doendo a lombar )

18/12/2014

ho ho ho

*

toda vez

no fim do ano
me vem essa pressa
de chegar não sei onde

me transformo em p-r-e-s-a
querendo mastigar não sei o quê

17/12/2014

confesso que voltei (um poema concentrado)

"olhar de forma mais leve
as flores e rimas"

aham
anotado
em cada enzima
porém
caninos

(porém
meus dentes brancos todos
doendo e se abrindo
até que voz)

a mulher quer casar
o homem quer filho
a mulher quer lantejoulas e os maiores cargos
o homem quer o supercílio do chato
ad infinitum

a mulher separa
o filho vira empecilho
o homem dispara na perda
fale a firma
falha a faca
ad infinitum

todos atrás da vitória
duas, três voltas atrás
infinitas vidas atrás
retardatários...

os homens disparam
nas próprias pernas

o anjo

o anjo loiro (agora escarlate)
mantém o sol como face

seu olhar longo
me vulcaniza
(explosão nuclear, paralisia quântica)

seus cabelos
mudam de cor
seus trejeitos
sei de cor

é perda de tempo tentar
qualquer coisa fora de um poema

o anjo tem a expressão
(e o corpo abissal)
que te fazem instante
e estátua de sal

é natural
que voe distante...

mas abismado e celeste
sorrio sozinho
sem nem tentar mostrar as asas
aos cegos do caminho

09/12/2014

samsara: retrato

equilibrando pratos
depois de pratos
depois de pratos

pratos caem
pratos surgem
pratos novos brilham nossos olhos e os queremos
redondos
pratos velhos nos enjoam e os largamos
redondos

seguiremos assim
circulares
vida após vida
(sem vida)
até quando?

08/12/2014

luar kolynos

o poeta é o para-raios da loucura
(hastes flexíveis e diversas cores)

em noites vastas
pasta o silêncio da lua
com dentes moles
(entrega grátis de suas dores)

mas sorrimos às balsas
de boca redonda
com os caninos
(tentando vender felicidade - falsa)

na beira do campo

a garça parada estatua

do verbo estatuar:
atuar como estátua

(até tatuar o peixe de branco)

26/11/2014

desoprimido

o deprimido
faz mais bem
que o comprimido

25/11/2014

secreto

afinando o olhar
brilham infinitas
opções da mesma música

23/11/2014

tentando dormir

sou a criança sem muro
tendo no peito a falta
e em volta um quarto escuro

18/11/2014

o outro

o sol me arde e coça
mas nado no imperfeito
e vou assim mesmo
o olho com brilho
a vida com jeito

14/11/2014

imenso e manso

a certa altura
o céu do coração cansa de planos

(ressaca de olhos)

seu quintal
(r)existe
calejado de mãos e esforços vãos

(e desiste)

só então o descanso:
perceber murmúrios constantes
de um mar maior

(e manso)

13/11/2014

pra sempre

(em memória de Manoel de Barros)

se foi como vegetal
o maior poeta que li
em folhas de papel

tantos encontros verdes profundos
tantos amores embrulhados por suas palavras
revolucionárias
(agora me abraço a todos
no mesmo vento pantaneiro)

e os meninos e meninas que inventam inutilices
com os pés descalços na lama do tempo
sorriem o mesmo sorriso

12/11/2014

o mesmo

os abjetos psicólogos criam problemas.
os objetivos de seus bolsos sem objetos:
manter você no sistema

junto

bem junto

adjunto adjetivado do respectivo cargo

(respeitosamente)

no trabalho

é tenso
manter-se
relaxado

11/11/2014

sentido-horário

calo a voz
de minhas mãos sem calos

os ponteiros rebobinam
o fio invisível do tempo:
aproximam
a morte

05/11/2014

possibil-idade

arrumo sem arranhar os futuros
sem medo nem esperança
dos outros lados do muro

31/10/2014

arde a tarde

vício de sacrifício
a perna tremendo sem frio
tic nervoso
tac nervoso
relógio ansioso pra outro fim de semana vazio

ah, o cheiro
do cheio
que não chega

30/10/2014

funcionário

o mundo não funciona:
mas somos funcionários
(públicos na privada)

mudaram as linhas dos ônibus 8, 77 e 666:
a partir da semana vindoura
devem chegar 5 minutos mais cedo
afim de que cheguemos mais cedo pro café
e para nada fazer de útil por 4 horas antes do almoço
assim como nas 3 horas após o almoço
então saindo no mesmo horário previamente estabelecido
na resolução XPTO21 deste mesmo ano

mudou a excelentíssima presidência
logo
a diretoria mudou
e a nova diretoria
mudou as pessoas nos departamentos
e criou novas metas

os departamentos
mudaram de nomes
mudaram de siglas

DEJAT virou DECAT
DECRET virou DERJUP
DESTIN virou DEDAO

agora ninguém sabe
se mudar de sigla era parte do projeto de metas
ou se mudar de metas alteraria as mudanças de siglas

e assim seguimos mudando
(nada)

29/10/2014

a tempo

o tempo que me encurva
que me turva dentes
que me sangra gengivas
que me dói joelhos
que me engorda

esse tempo
esse mesmo tempo
é que devo gastar
esperando
a felicidade?

27/10/2014

vento na vela

ando debaixo da nuvenzinha branca

ao meu lado a grama
ao lado dela o azul

vamos no mesmo ritmo
porque venta

nem eu sustento ela
nem ela me sustenta

vamos pro mesmo lado

digam norte
digam sul

vamos pro mesmo lado:

lugar nenhum

to tinder or not to tinder

um amigo sorridente veio afobado
me contar que achou no tinder nossa amiga
- mas você não tinha casado?
- hmmm minha conta é antiga

privada: funcionalismo público em ciranda

o assistente é amigo do presidente
que finge ser amigo do assessor
que finge ser amigo da estagiária
que finge ser amiga do diretor
que por nada fingir perdeu o cargo

24/10/2014

tiro no escuro

olho o quadro do muro:
um muro no quadro
com um quadro pendurado

21/10/2014

flores secas

o fogo por trás das montanhas
adivinhamos pelo olho do sapo
pelo grito da maritaca

fingindo não saber
batemos ponto
e banhamos calçadas
com nossa futura sede

sob um céu negro
pleno meio dia
bebemos coca-cola
com sabor de alegria

19/10/2014

minha vó fazendo 90 anos

o presente dela:
meu passado doce
(a ponto de até hoje
me adoçar futuros
com aquela mesma receita:
lembrança, amor e letra)

13/10/2014

perder-se

minha poesia está em greve:
escreve
sem dizer

minha poesia faz piquete:
deságua num bilhete
que depois vou perder

minha poesia
silencia
o mundo todo
eu e você

09/10/2014

sem esperança, sem medo

teias entre prédios tortos

transportes que atrasam
trações entregues a traçados inúteis

trôpego
o traço do silêncio adentra o trote cego:

ninguém vai
ninguém vem

07/10/2014

no escritório com a mão no bolso

todos eles sabem:
minhas mãos
são aves

04/10/2014

manoelizando infâncias

podem me tirar o olhar bom
a verde idade
até mesmo a verdade...

mas meu quintal maior que o mundo
eu carrego sempre comigo

03/10/2014

no meio do caminho

o verso de bukowski no meio do caminho:
"enquanto eu masturbava uma tiete"

meu avô consertou o telhado
(batidas decididas no martelo)
nunca escreveu nada
nunca complicou nada
aguentou cinquenta anos no trabalho
construiu casa
constituiu família
se aposentou
"enquanto eu masturbava uma tiete"

as pessoas no escritório
cinco dias na semana esperando o final de semana
onze meses esperando o mês das férias
cinquenta anos esperando os poucos anos de aposentadoria
(esperando no escritório, acreditando no "tem que ser assim")
sorriram e calaram e seguiram
seguiram e calaram e sorriram
seguiram firmes e caladas em suas baias sorridentes
"enquanto eu masturbava uma tiete"
e pirava

quatro ou cinco anos de provas, xerox e decorebas
atrás de diplomas dourados com louvor
todos preocupados com o mercado de trabalho
com o mercado de engenheiros elétricos
com o mercado de ações
com o mercado dos professores de filosofia
com o MEC
todos preocupados com o futuro
"enquanto eu masturbava uma tiete"
e largava tudo

segundo grau, cheio de espinhas, cabelos caindo
estudando que nem um babaca
os outros alunos curtindo, brincando, fodendo
"enquanto eu masturbava uma tiete"
apenas na imaginação
fechando as minhas retinas fatigadas

02/10/2014

me_nina

se um dia eu soube
desaprendi

agora ela aprende a cozinhar com a vó
e me ensina amor

antes de todas as chacinas
seu peito puro me alimenta

me relembra menos muros
alentos de flores
mais ar

e esperamos ambos futuros
onisorrindo pro celular

30/09/2014

poema enquanto não posso ler poemas

voam sementes no vento

sobre um tempo livre que invento
preso

grades pesadas
pousadas em pássaros

tudo passa.
tudo, pássara...

até mesmo essas folhas
sãs

tão belas curvas
tão belas penas
apenas poemas cantados ao ouvido
no infinito abraço
de um instante

depois tudo distante

a morte me deixa tonto
(o silêncio também, o barulho também)

há morte
em amar-te

29/09/2014

confissão

na minha língua violenta
ela inchava

em minha boca a chave
de sua convulsão
ela cavalgava

foi uma noite inteira
sem ouvir um não:

ela
toda
minha

seu gosto
me devorava
o rosto

seu gemido
proibido
era tudo
o que eu escutava

25/09/2014

do esforço

o futuro tão perto...

faltando tão pouco...

puxo o prazer do futuro
pelo furo da pedra

pesada, não move

penso e puxo mais

tenso, puxo mais

puxo mais

puxo, mas
puxo sem olhar para trás!

24/09/2014

23/09/2014

conjugação

estico a mão
em direção
ao hábito

(respiração completa)

recolho a mão
preparo o não
e sigo sem meta

20/09/2014

recorte cultural

tive
que botar um detetive
atrás do meu desejo

querem que eu ame assim
querem que eu trabalhe como você
querem que eu compre aquilo
querem determinar até como devo foder

porra, há quanto tempo não escrevo um palavrão?

vi na TV a entrevista do cara que esquartejou o ascensorista
e quase me senti otimista

depois vim no carro ouvindo MPB
(foda-se você)

ouça bem:
vim no carro ouvindo MPB FM!
(foda-se você!)

- a memória é uma ilha de edição

ouço a voz de waly salomão
no recorte cultural
repetindo ad infinitum
agora, então

- a memória é uma ilha de edição!

19/09/2014

reinfância

o mundo era muito interessante
algo a ser desvendado
descoberto

a enciclopédia perto do dicionário
o medo de monstros no armário
o sonho repetido: voar

devorar os bichos do chocolate surpresa
e da coleção "o mundo da criança"
que meus avós e pais me liam
(não havia computador)

lembro de usar amêndoas como giz
e folhas de palmeiras como asas

hoje
toda a minha imaginação
vai pras palavras

17/09/2014

já nela

dentro da bolha
de minha pele
todas as águas
são negras

um olho gordo
olhando fora
olhando a hora
de ser feliz

15/09/2014

(des)fase

a urgência atropela a paz:
faz tempo
que o tempo me desfaz

14/09/2014

flores e abelhas na amendoeira

no meio de tanta imperfeição
o céu abriu azul

pensando bem
todos sobrevivemos a agosto

tudo bem a primavera meio fria:
faz sol

13/09/2014

Minha fomília

os pais queriam os filhos
iguais aos filhos que queriam

os filhos quanto a isso são iguais
quanto aos pais

(Meus filhos, Meus pais)

conforme não ideais
vivem todos em estado de não ser

sob a constante e silenciosa acusação
ouvem televisão e falam da inflação

(como vingança, ainda mais não são)

- passa o macarrão?

12/09/2014

na Minha cama

numa tarde de redenção e de lume
levei a mão de uma ao seio da outra
e senti no ouvido o perfume

então as duas se beijaram
e foi o meu melhor ciúme

11/09/2014

(anti) the coca-cola company

- temos que voltar a beber refrigerante: uma garrafa de matte leão está 6 reais no mercadinho barra sul.
- é mais economizante comprar a erva.
- mas aí não tem acidulante, edulcorante, corante, conservante e aquela garrafa bonitante que a natureza não digere antes de uns séculos.

como viver mais positivamente ante isso?

09/09/2014

antes do demissional

os escravos mostravam dentes
nós fazemos exame médico periódico

dentes, sangue, urina, merda
olhos, pulmões, coração

evolução é isso:
ter que mostrar mais

08/09/2014

jeans do céu

a página em branco se abre
vasta como o mar oceânico
visto de portugal

o blog abre o dia
branco de espanto e medo
ante tantas possibilidades

o céu balança as árvores
com mãos de vento
e suavidade

o teclado em valsa
deixa
de ser duro

danço dedos futuros
(cada vez mais presentes)
no furos azuis de sua calça

06/09/2014

o sucesso da insensatez juvenil

fome de presença e nexo
fome de amor e status
fome de segurança e sexo

(fome que saciada ou não
só traz indigestão)

mas a dor que sente
é o primeiro passo
porque todo chão abaixo
tem semente

como a montanha árida
lentamente
gradualmente
naturalmente
cria uma fonte de água

05/09/2014

imperfeito

profecio a esperança que não mato
(que nem mosquito):
ela virá de longe
e ficará de fato

letra maiúscula

a sombra da sobra dos dias
comemos com pressa
fast flood
sem notar as notas de rodapé

anotamos mentalmente o tempo todo
e esquecemos
e esquecemos que também seremos esquecidos:
temos prazo de validade

não tem remédio

o que fica de tanto trocado
é apenas a alegria dada

assim
do nada
como ponto final.

03/09/2014

o vento nas árvores

eu de ar:
nenhum demônio subterrâneo
nada a perder ou ganhar

02/09/2014

apólice de inseguro

numa casa deixo meias marrons
na outra, pretas
(na casa com meias pretas, o sapato é marrom)

lavo a louça
compro queijo fatiado e deixo ao lado
do queijo inteiro
(geladeira no mínimo)

o mate faz com que
eu não me mate

lembro que tenho que comprar mais cuecas
(eu sempre tenho que comprar mais cuecas)

numa casa a lava-roupas derruba a luz e queima algumas peças
na outra, mosquitos infinitos derrubam o sonho de um sono tranquilo

numa casa, a solidão total
na outra, o peito ainda dói

as casas são perto
e longes de mim
(ainda bem que não vendi o carro)

demoro
mas não sei onde não moro
(desmorono)

01/09/2014

(ja)nela

queria gritar mas não há
ela pra ouvir

os cacos do peito
rimam com gatos
nos becos

ela pássaros com asas que cortam

passaram tanto
que a inocência é irrecuperável

(meu dragão com medo de foto)

dorme?
como dorme?
camas pequenas enormes...

ela não é pronome pessoal:
é sonho e pesadelo, (a)temporal

por falta de água
sangro nada

ela nem vê
ela nem lê

ela horizonte
bela, passado doce, futura amante:
sempre volta pro distante

ela não termina:
é a ausência da ave maria
quando a terrível noite se retina
do outro lado da cortina

ela é o silêncio que me sua ser
trancado sozinho
perguntando por que

31/08/2014

retiro fechado (janela aberta)

mudo rápido
pois faz frio e as amendoeiras acenam lá embaixo
da época em que tocávamos o chão vazio

mudo lento e complexo
o velho plexo de sagat
na paz de cinco elementos
(do espaço além do tempo)

mudo de emprego
mudo de roupa
mudo de musa
mudo de sonho

(o sonho da vida é apenas mais longo que o sonho da noite)

mudo: aquele que não fala
(este sim constante)

29/08/2014

passaremos

todos os pássaros do mundo
formam dedos da mão que brilha

o movimento é lento
estreita é a trilha

28/08/2014

no meu do caminho

enquanto não silencio
chove chão do agreste céu
na véspera da esperança que me azia

sonho elmos e capacetes
sonho escudos e cavernas
sonho a paz da falsa morte no cais
enquanto sob o BRT aqui jaz
mais um atropelado pelo tempo

dentro
ácido
olho a minha raiva de olhar a_grade

(ainda agrido sem doce)

27/08/2014

(d)efeito

chega um tempo
em que se olha sem temer o frio
sem tremer perante qualquer paisagem ou espelho

tudo perfeito:
cada coisa em seu lugar

nenhum assédio:
vitória ou derrota no mesmo médio

entre pálpebras e braços
silenciarás contatos
rezarás por eles

rezando por eles
rezarás por ti

26/08/2014

tiro no pé

hoje me interessa a poesia que não seja vaidade
solidão, sintoma, sonho
ou um solilóquio charmoso de formas e fonemas vãos

se a poesia não for transformação
o silêncio é

25/08/2014

mas arde

a arte atrai o louco.
a arte é pouco
pra curar

24/08/2014

e feliz

queria ser um poeta quieto.
um poeta quieto
está completo

23/08/2014

hexagrama 40

tensão crescente
asas que não tem pés
pés que não tem casa...

até que o trovão
cala o abismo


e a chuva
lava a mágoa

22/08/2014

shavássana

deitado embaixo do universo
sobre um chão firme e provisório
adio ouvir o adeus
dentro das cascas das palavras

19/08/2014

alaya vijnana

cavo o pó dos sonhos findos
passados, futuros
em baús enferrujados

lado a lado oficino
formas e fórmulas
de uns 3 mil anos atrás
quando nasci assassino

silencio dias e noites
silencio olhos e mares azuis
até que a voz
seja luz

16/08/2014

poema bebendo mate com pouco açúcar

no momento mágico indolor
tudo se abre pro mistério
(que todos já conhecem, no fundo)
sempre com alguma dor

a literatura é a prostituta mais bonita
quase rima com sintoma
e cobra felicidade
pra dançar tango com minha alma
e me enganar a liberdade

a literatura tem lua em leão
e vulva de neón

a literatura derruba meu tédio
agarra minha paz feito louca
e ainda lambe minha boca

a literatura me atura há anos

(só ela e minha mãe)

15/08/2014

desilusão

adio todas as ilusões
e o desvelamento das mesmas
pra fazer um poema besta
numa sexta-feira fria

(todos os meus vulcões
pedem essas palavras vazias)

elas vêm, elas vão
elas vêm, elas vão
elas vêm, elas vão
elas vêm, elas vão

apita o trem da (dú)vida
sob um mar maior que ondas

então respiro devagar
no calmo vão (tão maior)
entre uma e outra

12/08/2014

tenso

eu sempre digo acho
porque não me acho

eu:
desocupado
entre dores velhas
e dores novinhas
abro o espaço a aço pro silêncio

11/08/2014

preso à pressa

trago as mãos fechadas
em dois vasos de fumaça

todos dizem: passa
mas não abro o coração

06/08/2014

olhos abertos

aborto palavras que esqueço

entre o luar e o ser
sigo o caminho em que me derreto
e verbo a barba: crescer

não meço
não peço

olho de fora meu sono
e sorrio sem sonho

aberto pro que desconheço

30/07/2014

ar em movimento

tenho um pacto com o vento:
ele inventa que existo
e insisto em espalhar

sem limitar, sem limiar

(Para Andrei Ribas)

sinto o rufar de tambores
em meu estômago

(mas as janelas do mundo fechadas)

todos os vulcões
rosnando sóis

(mas as janelas do fundo fechadas)

todo o brilho incontível
sem início nem fim
desde sempre querendo transbordar
muito, muito além de mim
e de todos que misturam as coisas mais impossíveis
só pra falhar ao dizer o que a poesia é

(mas as janelas dos signos fechadas
e os bêbados nos bares cortados com MPB não sendo o que queriam
enquanto me pergunto para que fui ler essa porra que também me corta
com infâncias, nádegas e parênteses)

como Nietzsche era dinamite
como o primeiro toque
como a vida em essência
muito além desta repetitividade lógica e egoísta

luz
energia
tesão
que tentamos localizar em pessoas, metas, bens ou poemas
e choramos ao perder, dependentes
com medo da noite e das faces que preenchem o vazio
e sorrimos, ao menos
ao fotografar com palavras
não minhas nem suas

sorrimos com o sol na cara

(felicidade não incluída)

qualquer ser
foge da dor
e quer o prazer

27/07/2014

outro retiro em viamão

aponto a lanterna pra vida
e vejo sonho

aponto a lanterna pro sonho
e vejo nada

há o ponto
(e apenas o ponto)
de onde se aponta a lanterna

26/07/2014

três graus celsius não sonho

antes da estrela era chato
depois, sádico

cobri com mil lençóis
o frio do silêncio
de uma noite sem estrela:
mais fantasmas no meu escuro
e tudo mais áspero

pra quem finjo
não notar que a própria estrela finge
não notar que (me) se apagou?

17/07/2014

estrelas

(Para Elis Regina e Maria Rita)

estrear as pequenezas da vida
com letra minúscula
(música maior)

uma flor é uma rosa
uma rosa é uma flor
(sua lágrima)

tudo que calamos
explode cor

choro o cheiro dos pais
misturados na roda da vida
(memória)

abro todas as feridas
deixo todo o amor
arder em voz

eis a arte:

arder
em
vós

10/07/2014

a mulher canhota

as máquinas
falam mais alto que o homem

o homem olha a janela
a francesa
a falta da chuva prometida pelo frio

nada se move

nem o silêncio
na boca do homem

06/07/2014

hábito

noite longa de luzes vãs e perfídias
mel e culpa sobre prédios sem felicidade
(em qualquer cidade)

quantas repetições
de tapas e apegos
através dos milênios?

gritos esquecidos do outro lado do muro
fumaça de sonhos negros
um oceano no escuro

noite longa a vencer:
estrelas
que não podemos mais ver
se procurarmos

04/07/2014

a felicidade é possível

(para Lama Padma Samten e Gustavo Gitti)

olho no olho do medo

a casa vazia
quando a noite cai
e o sonho cansa

olho de criança
que não queria dormir cedo

sento longe de mim
relaxo a face
e a face atrás da face

(é possível sim)

Imagem: Desenho de Felipe Stefani

03/07/2014

mas só chove

desde a primeira facada mais forte
antes ainda de notar meu excesso de dentes
amando eu danço com a morte

30/06/2014

Garrincha

as 288 colunas retas do estádio, Mané
custam mais e valem menos
do que sua dupla perna e duplo pé

24/06/2014

a_vós

minhas mãos
são grandes demais
pra enxugar os pingos de chuva

e esse frio seco
essa distância entre as palavras...

talvez eu devesse
voltar a reclamar

não

afirmo a cisma
maior que o hábito

tusso e expulso
o som ritmado
dessa minha voz
antiga

22/06/2014

shamata

sino tibetano
tocando leve
o silêncio maior que eu

lenta inspiração
calor bom

como se o corpo não existisse
como se o mundo não existisse

ali desde antes do antes
depois do depois
firme

passo em paz

no espaço de um olhar
viver Heráclito:
tudo um
(vazio e forma)

água não mais de ondas
água de oceano

nada

19/06/2014

sem negar nada

cabe a verdadeira felicidade
no silêncio
(cada vez mais brilho no silêncio)

mas jogo videogame
(rápido
quente
fígado)
pra treinar o salto no mundo enorme
sem acordar a paz que ainda dorme

dito isso
vou-me tonto
e verdadeiramente feliz
vegetariar no churrasco
destorcer na Copa
mandar hadouken pela paz

treino o silêncio, o amor, o combo aéreo, as vendas, a vida:
tudo por um triz

sem silenciar os poemas que faço
com os poemas que fiz

13/06/2014

06/06/2014

(re)pouso

parando
ultrapassou
a pressa

Imagem: Foto de Fabio Rocha

pré-pouso (são)

paro todos os pêndulos
e me penduro na resposta de tudo:
o sopro mudo do silêncio

30/05/2014

palavras são asas

o tropeço
parte do caminho

passo atrás
arde a dança

estendo meus braços de criança
aprendendo a não chorar

27/05/2014

brasa

Brasília fria
Brasília matinal
Brumas fechando aeroportos
(Imagina na copa)

Braxília logo quente
Terra de Nicolas Behr
E de ilustríssimos dentro de ternos e vidros

Brasília formal e sem morros
Brasília ignorando mortes

Caminho turista por palácios
Entre a palestra e o almoço
Entre os índios protestando e os policiais esperando
Sobre um chão quase sem lixo

Caminho reto e sem esquinas
Tonto e torto
Carregando peso demais
Na mão e na mente

Mas

Sempre em frente

(Atenciosamente)





brasilia
Imagens: Fotos de Fabio Rocha

23/05/2014

m. (paisagem)

desadio
um poema
com venda
nos olhos

pingam dos braços
abraços imaginários
e o tempo de nós
aumenta

esse verde 
(esse ver-te)
entre chão e céu
azula minha tarde

me arde o mundo
cada vez menos
se faço parte
do que mudo



a            m



ar            te

20/05/2014

16/05/2014

terra

está abolida a lei da gravidade
no dia em que a Terra parou

             nadamos no ar
                                           entre mortes
                                                                       e vidas

da terra plana e infinita
nasce luz por toda parte
e esse som:

14/05/2014

novo livro: rio raso - Fabio Rocha - editora Patuá - São Paulo - 2014

Rio raso. Coletânea de dez anos de poesia. A capa e o projeto gráfico foram de Leonardo Mathias. Edição, de Eduardo Lacerda. Editora Patuá, 2014. ISBN 978-85-8297-071-3. Skoob. ESGOTADO.


Críticas recebidas:

Belíssimo, por sinal, não só a editoração e capa, de primeira qualidade, mas, principalmente, pelos poemas, de altíssimo nível. Não é à toa que a Patuá vem se notabilizando entre as demais editoras, por apresentar trabalhos de alta qualidade formal e textual.
Li seu livro de um só fôlego, numa tarde inteira. Foi um bálsamo para mim, já que, a cada dia, está mais difícil ler-se poesia de qualidade. Parabéns! Há um componente lírico que perpassa todo o livro, às vezes com um humor irônico e triste (desculpe o paradoxo), que deixa, ao final, um gosto agridoce em nossos sentidos. Livro de grande teor poético, onde a síntese mostra o poeta atrás do poema, com seu fazer cuidadoso, de forma e de técnica, com seu trabalho de "Corte", que já vem desde o seu livro anterior.

ISBN-13: 9788582970713
ISBN-10: 8582970714
Ano: 2014 / Páginas: 108
Idioma: português
Editora: PATUÁ

07/05/2014

sem exceção

estamos todos no detran de itaguaí

marcamos hora
mas é por ordem de chegada

a fila é fora do ar condicionado
mas na sombra

dois vira-latas brincam alegres
mas se mordem

um homem quebra uma parede
tentando fazer uma porta
e a fila calada
(personagens se percebendo personagens)
rapidamente se desfaz
e se afasta
do pó
e dos destroços

30/04/2014

semeando avós

caminhei léguas
de línguas em silêncio
pra achar minha voz

mágoas mínguas restingas
de um desértico mar

cem samambaias
repetindo padrões
em folhas brancas

sem rabos de arraias
aturando patrões
(camisas brancas)

agora o vento no mato
acariciou minha coragem fugaz

vou-me embora pra nunca mais
no exato lugar onde já estou

29/04/2014

(mais de) oito horas por dia

vivemos extremos
(sobrevivemos)
entre excitação máxima e exaustão total
sem nos ver afinal
(lagos serenos)

28/04/2014

adivinhar o mar estando no profundo do rio

o provisório é outra parte do sonho
no qual nos pensamos molhados
entre dois mistérios: nascer e morrer

17/04/2014

como nasce um poema?

inicia-se com alguma palavra rasgando a pele
prossegue-se afastando as costelas
depois cavando a carne
cavucando órgãos desconhecidos
deixando vazios gritarem
soltando monstros e levezas
com precisão e intuição fonética
chegando ao íntimo cerne do escuro e da luz
muito além de si mesmo

depois acaba
e seu corpo ainda quente
e você fingindo não ter buracos nem cores
como se nada tivesse acontecido

15/04/2014

mar

(Para M.)

ao tempo peço adiamento
sei que em areia tudo finda
mas - inevitável - tento:
ela é linda

14/04/2014

o mesmo órgão

estômago fundo:
leveza de borboletas
ou o peso do mundo

estômago quente
doente
digerindo a ele mesmo

estômago a dois:
uma casa
sem depois

estômago a sós:
digerindo
nós

11/04/2014

descanso em cinco lungs (ou anti-propaganda de anti-marketing)

coleciono desquereres:
desbotam ao sol interior
todas as blusas que não tenho

09/04/2014

da expansão

não pensar mais em termos de uma só vida
uma só pessoa

a chama é breve
e o tempo - quente - voa

06/04/2014

bambuzal ao vento

(Para M.)

como dois galhos
quebrados partidos cortados
apoiados precariamente

como dois lunáticos
descabidos, desencaixados
irmanados um no outro

como dois budas
sentados em meditação
lado a lado

shamata impuro

as pessoas que mais falam de amor
não sabem amar
(os poetas)

paraíso
inferno
café
instantâneo

vi o grito
dentro da floresta escura
(samsara)

contemplei as emoções
que eu deveria ter
(correndo atrasado)

o grito do outro incendiou árvores
e meu estômago ácido

mas silenciei sobre o som
de todas as minhas quebras

04/04/2014

para adélia prado

gosto de adélia além das palavras

eu nasci ela escrevendo bagagem
depois, 7 anos no deserto

máscaras
enterrando
rostos

as roupas inúteis na areia
a fé em pó

deus e seus teóricos nos separando
mas o sagrado nos unindo

poesia sem enfeite
a casa da vó

o momento mágico:
da areia quente
brota uma flor

03/04/2014

vamos indo

o céu dos teus olhos prometem água
vamos partindo sob nuvens longe
sob um sol alto

vamos sem sobressalto
sorrindo poemas sem som
pelos caminhos

02/04/2014

sonho

na beira oval do silo imenso

tenso - a porta aberta me sai

do fatigado peito, asilo
o mesmo objeto em sincronia:
uma maçã, um coração, uma agonia

mas o redondo não cai

não estranho nem adio:
um passo e

31/03/2014

até ver a luz de casa acesa

vespero escarros num vespeiro

fora de área
fora do ar
fora de mim

não sei se fugiu
não sei se caiu
não sei se esqueceu

errado, o dia se alonga
(fora o trabalho, passa rápido a vida)
eu ilusado, ávido de algo certo

lálonge trovejam nuvens
entre o dia e a noite
entre o novo e a morte...

mas não olho.
faço questão de não apontar o sonho
pros perfumes que esqueci

29/03/2014

cisma

não deixo
o louco sistema econômico
me definir profundo

a palavra poética
pode dar prejuízo ao meu bolso
mas beneficia o mundo

28/03/2014

molde

andamos ruas tortas
dentre muros pixados
por jovens gritando errado

os jovens produzem homens

as fábricas produzem fumaça
e seduzem homens
a derreter seu tempo jovem
sem nem tentar mudar mais nada

27/03/2014

gota

hábitos arranhados
no disco da mente:
descontente
descontente
descontente

baixo seu volume

rio sua rima
da montanha até o mar

26/03/2014

p r n d

p r n d - no painel da super máquina
equipamentos os mais variados
luzes coloridas que acendiam e apagavam
trilha sonora animadora
módulo de super velocidade
e a legenda oculta adulta futura:

- para onde?

(e todo carro que tenho agora
é decepcionante)

25/03/2014

22/03/2014

vila lobos

na tranquilidade
a música se personifica
entidade

bares viram casas

asas suaves de som
e sonho

21/03/2014

estudo do movimento

(Para M.)

corpos se tocam
acumuladamente

corpos se prolongam
serpentes

ritmos em silêncio

dança para olhos fechados

19/03/2014

araponga

canto de ave
mais leve que sua plumagem:
som de bigorna

15/03/2014

a escada da meditação

compaixão
sem paixão:
o amor na ponta de um mundo irreal

livro livre
página em branco
ponta de lápis pronta

mais fácil comprar
um óculos novo
do que mudar a visão

dentro
palavras nascem e morrem e renascem
aqui no silêncio que observo

agora entro

calo queixas continuamente
pra não doer meus calos
e o queixo piorar
(trancado)
num circunflexo
(plexo solar)

absorvo
eu
morto vivo
pela paz

reedito
reinvento
recomeço diferente
(a porra toda)
nem que seja eternamente

falha a calha da chuva
quando não chove?

calo novamente
o poema que não faço
até ele me explodir

rio

nada mais macio
do que uma pedra
moldada pela água

13/03/2014

desejo

queremos:

somos símios com vontades e contratos
doravante denominados partes
(realmente se sentindo incompletas)

vivendo uma vida individual
temendo uma morte individual
sem tocar a eternidade não nascida e imortal

e no esforço de não ser o silêncio universal
nos resta um pingo de arte
e uma infinidade de sofrimento

11/03/2014

convergência

Para M.

tudo melhora
circularmente, infinitamente, silenciosamente
a lótus flora

08/03/2014

por enquanto

Para M.

sem pensar em ir
o passo dado

sem passado
o ladrilho
sob o pés gelados

branco o teu abraço
constante brilho
com tanto desencontro
lá fora nas janelas

eu quis uma casa
e já estávamos nela

devagar e longe

(Para M.)

ouvindo jazz
e ela me chamar de cônjuge
enquanto chove fora das janelas

03/03/2014

o sagrado

Para M.

um corpo em formato de ninho

lá fora
sorriem e dançam
nos intervalos de uma vida sem sentido
mas precisam beber para tal

aqui dentro
enquanto meu corpo definha
defino precisão, relaxamento e atenção
a cada respiração
e não me salvo
(mas me deito)
num corpo em tato de ninho

bocas se acham sorrindo

nos intervalos
tento agarrar com letras
um fantasma que sempre escapa

o detalhe entalhado no silêncio:
dentro é fora
fora e dentro

se as perguntas nos movem
todas as respostas
que não nos parem
estão erradas:
está tudo em seu lugar

27/02/2014

folia

(Para M.)

obrigado, configurações caóticas imprevisíveis e incontroláveis
por mais um carnaval aquecido dentro da paz a dois

sem músicas altas ou bêbados baixos

sem frio no calor da multidão

Imagem: “Sunset, West Twenty – Third Street” – John Sloan

26/02/2014

rosa real e lírica

(Para M.)

o possível é perto
vermelho dentro
antideserto

dança quente
a palavra
parasempre

- tudo bem?
- tudo bom.

(sua mão)

tudo
bom

respiro lento
pra não voar
(e voo no centro do chão)

Imagem: “sem nome” – Lorenzo Mattotti

os homens com medo

(Para M.)

dei uma rosa pra ela
no meio da nossa primavera

os homens com medo
recomendaram pedras
pra me proteger

então abri ainda mais o vermelho
e fomos morar um no outro

Imagem: “Freedom” – Ilya Repin

24/02/2014

a borboleta

Para M.

foi quando descobriu que havia ar
em cima da água
que lhe pesava pulmões

novos olhos
mesmos cômodos
menos incômodos

eis agora a bênção
de respirar sem guerra

ela ao lado
me ensinando a ensinar

ela ao lado
bem do lado de dentro

ela ao lado
melado de doce

ela ao lado
música, amor leve

ela ao quadrado
(que se curva)

ela ao lado, meço:
uma estátua de carne e arte
começando a parte de viver
enquanto recomeço

Imagem: “Sunset in Mid Ocean” – Thomas Moran

16/02/2014

salvo-me da salvação

(Para M.)

monto a minha paz
dissolvendo-me ao chão
com passos de silêncio e agora
sem cavalos loucos, sem paixões de fora

Imagem: “His Last Dream” – Julio Larraz

13/02/2014

samadhi

(Para M.)

o presente interrompe planos curtos
deixo e desço e deito
na paz de um sol curvo

Imagem: “Sunset” – Felix Vallotton

12/02/2014

o mesmo quarto

(Para M.)

o quarto vazio
se você não vem
é escuro e frio
(o peito, uma prisão)

o quarto vazio
se há a chance de você vir
é meditação

Imagem: “Le Pont- Neuf la nuit” – Albert Marquet

santíssima trindade

santo é quem mete a mão nas chamas do inferno
com a coragem de construir o novo
depois de desabado tanto antigo

o santo vai de mão dada com o louco
pra cada vez mais perto do perigo
soprando asas contra o certo

Imagem: “Snow Storm” – Turner

11/02/2014

funcionalismo

tem algo podre
no ar condicionado
há dias

a seção de vistoria desconfia de morcegos mortos
a seção da mesma voz (SEMV) reclama
a seção da tarde repete a_manhã
a direção resolveu trocar por meio de portaria a sigla da portaria

e continua fedendo

sonho 1.654

vou saindo
lentamente
das cinco pontas
de minha estrela

de minha cruz

descendo
vagaroso
da noite alta

amanhã
sendo
luz

Imagem: “Twilight in the Wilderness” – Frederic Church

09/02/2014

irrasgável irascível

escrevo o poema correndo
pauso o filme
entre o almoço e o celular
desligo o celular
as cuecas caindo
antecipo o fim do almoço

escapo
(cinco amores nas escápulas)

é como uma água cheia de fotos
fotos que se foram e esqueci

todos os meus ancestrais
que me fizeram estar aqui
e não sei se agradeço ou morro

corro da outra água revolta de pratos
os pratos dos armários excessivos
do apartamento de meus pais
vazio

água rodando
torvelinho do filme
de que corro
(ela)

as fotos são importantes
porque você lembra delas
mesmo quando consegue deixar se afogar
todo o resto

agora vejo letras num caldeirão
e um mar sem fim de livros
fechados

eu lembro
por exemplo
da foto do seu rosto lindo
que eu tirei logo depois
do nosso primeiro beijo

já apaguei todas
já não há nem a lembrança dos beijos
não é lindo o seu rosto que me assusta ainda
de quando em vez, em noites de uivos
ou em filmes românticos

apaguei tudo
mas eu lembro daquela foto

não tendo mais nada
guardo a lembrança amarelada
na casa laranja de Adélia
como uma dor
eternamente anoitecendo

Imagem: Desenho de Fabio Rocha


08/02/2014

sístole e diástole

me construo e me desfaço
publicamente em letras
de funcionário público

(respiro silencioso)

em volta, sem casca
o ovo do mundo
duro
dura

(arfo sonoro)

dentro, com muro
afasto desertos
a nado

07/02/2014

LP

vi a capa de um disco antigo
na casa da minha vó
e nunca mais esqueci:
porque doeu

era um cara de peito aberto
costelas arrebentadas por asas
saindo um pássaro que cantava mudo:
era eu

eu sou o furo no barco de minha própria fraude

cansado de varrer o coração pra baixo do tapete
eu sou o furo no barco de minha própria fraude:
tenho saudades do amor feinho
de prender e ser preso
de viver brigando
de ir ao mercado reclamando
de voltar pra casa pelo mesmo caminho
de ver filme ruim e achar ruim a vida com o outro
da mesma rotina da mesma rotina da mesma rotina
dos finais de semana nas mesmas esquinas
do corpo não perfeito
do sentimento não perfeito
da mente não perfeita
do sexo não perfeito
feito jarro mais bonito espatifado

emergência

apressem as paixões!
abram alas!
quebrem relógios!

estão contaminadas por distâncias
minhas paixões
e por lógica

elas - e apenas elas
podem me salvar

a sua tinta linda
cor de alvorada
já desbota

por favor
tenho pressa pressa pressa pressa pressa

peço:
abram os sinais
quebrem as pedras
dancem as árvores
pra que as minhas paixões venham voando
pra dentro do possível

06/02/2014

sério

a importância de ir atrás de seus sonhos
perseguir seu objetivos
celebrar
deixar tudo fluir e se mover junto
no ritmo da vida

cansa

autopoiesis

Para Ana Thomaz

a perna direita é biológica
a esquerda, cultural

a vida manca corpos nossos
corpos segmentados por relógios e áreas de conhecimento
enquanto seguimos inconscientes de sermos inteiros
criando linguagens ininteligíveis de grupos menores
e superiores impotentes precisando de poder

seguimos denominando emoções estagnadas, respostas prontas
ressentimentos antigos enquanto tudo flui
mas apesar dessa cultura patriarcal redutora
nos sabemos no outro

(o corpo enquanto corpo possibilita a emoção
emoção que move as duas pernas
para além do múltiplo, para perto)

e tropeçamos realidades criadas
únicas, pessoais, intransferíveis
criamos a nós mesmos
enquanto a natureza nos sorri
seu equilíbrio
sua unidade

05/02/2014

a colher do Matrix

escrever não é escolha:
o mundo nos encolhe
em vez de acolher

grapete

novela não é arte, odete:
arte arde
novela repete

03/02/2014

tc

Para Aline

minha musa é um pássaro de letras
num quadro de amores tortos
e duros

todos os chats de amor são ridículos

mas rimos juntos, rimos muito
suspirando tristezas
e futuros

a grande beleza

procurar a grande beleza
ou o grande amor:
caminho sem fim

mesmo assim
flor por onde for

30/01/2014

decisão

todos os pontos cardeais
me expurgam
para onde deveria ir

as flechas
me espetam
janelas
de espera
enquanto olhos me olham redondos

o relógio
dá voltas
sem sair
do lugar:
sem marcar uma meta

sem sair
do quadrado
entre quatro
paredes
sob o teto quente
sobre o chão gelado
cato um meio
de não escolher uma reta

29/01/2014

mate

sobre o quintal que crio
passa um rio

mas passa tarde

e a vida que era doce
agora arde

28/01/2014

relatório de viagem: escritório

sempre confundo falópio com eustáquio
mas importa mesmo é o abraço

não obstante, ilustríssimo
a base da cadeira é de aço

quando durmo mal dói a coluna
quando durmo bem dói a coluna
quando nem durmo dói a coluna também

as luminárias seguem caladas
apenas observando
e esperando a hora certa

enquanto isso
atenciosamente
sem mais
fico

27/01/2014

e vento

quando chove tempestade
meu cansaço de existir dorme um pouco
e invento longamente a paz

25/01/2014

medita

a estrada me caminha

vou torto
desvou

voo e caio
Caio e vou

terra batida de limão
sem sumo
sentido
sentindo tanto tudo
tanto tanto
que canto em vidro

vou e cai o
encanto

exceto
se
paro:

a saída
tão clara desde sempre:
não ir

eu tu nós

o amor padrão é sempre esta merda:
você pensa e tensa
você mede e perde

24/01/2014

anti-paixão

tantas aventuras vividas
pra contar pros netos
pra contar pros livros
e uma preguiça danada
de viver por isso

vontade simples
da paz de haver alguém em casa
só pra tirar os sapatos
e rir da vida besta

21/01/2014

antiadministrativo

sacrificar o presente
pelo futuro certo:
envelhecimento, doença e morte

20/01/2014

círculo perfeito no peito

Para Anna

quantas dores cabem
num poema de amor?

tempus fugit

talvez eu seja
só mais um careta e covarde

ou só quando da Paixão
tentando transformar tédio em melodia
bebendo poesia - tesão veneno antimonotonia
meu medo aumente abaixo do papel
porque dentro de todo lençol
tem uma máscara de água

talvez não

talvez o distante apenas
brilhe horizontes assim

ou tonto
eu siga tentando dançar
sem ter pernas
na véspera de ir bater ponto

foto: Fabio Rocha

16/01/2014

estranhamento lírico livre poliamoroso

o poema vou

vou pro norte de trem
pro oeste de carro
pro sul de avião

voo pro alto, superman

sem cair
sem sair de mim
e sem mentir pra ninguém

15/01/2014

complicaciones

Para Olga

agora me (en)canto sem música
porque cantamos juntos sem ensaio e sem jeito
e foi perfeito

lança

Para Olga

as e se teu beijo
silencia todos os andaimes?

quando e como reconstruir
meus pedaços
se o aço de tua boca que morde
e sopra e dança
ainda balança
esse coração perfurado?

13/01/2014

deitada

Para Olga

o indizível me olha nos olhos
longamente

sonho de novo
oceanos de sentir
e de sentido

um corpo
e um rosto de estátua

um medo
e uma vontade:
para sempre

las brumas de Lima

Para Olga

mis hombros fueron hechos
para recibir tu cabeza

como el mar helado del pacifico
recibe gaviotas

y las olas
que se mueven por todo el planeta
sin desprenderse del agua

09/01/2014

me acalmo:

conto as musas
antes de dormir
no céu de minha boca



feminino, plural

como se o fruto da resposta
estivesse desde sempre
no fundo do ventre das árvores

as árvores:
feminino, plural

garantia

televisores não quebram
para que possamos ver e querer
Comprar coisas que quebram

06/01/2014

poliamor em decassílabos

queria deixar mas tenho ciúme
queria casar mas tenho desejos
então silencio lumes e gumes
pela profundidade de teu beijo

02/01/2014

caio feliz nas melhores tentações

(Para Olga, que me fez conhecer Lima)

estava cansado de ser homem
até me perder em teu toque

não sei como chegaste
nem a história de onde vieste
(e eu nem sabia que te esperava)

mas vieste
com esse jeito forte
com esses olhos móveis
com esse corpo esculpido em carne

a palavra delícia
dança no céu sem estrelas
onde meus dedos buscam

esse corpo de estátua que toco
treme
(as cavernas do teu corpo)
me chama e me puxa
pequeno, visceral e quente
num frenesi de vulcão invertido
e, pulsando, também me ascende
úmido e liso como deveria ser deus

nossas línguas
não se entendem tão bem
quanto nossas línguas

com tua boca na minha
aprendo:
corpos se compreendem
sem palavras
sem limites

mar de infinitas possibilidades
dentro do beijo mais longo:
criação gradual de pacífico e atlântico

beija-me, então
que estamos todos
longe de casa

beija-me
que nem penso
nem falo palavras
dentro da tua boca múltipla

beija-me
e assim descanso
pois no teu beijo
quase morro
de tanta vida