30/06/2013

desinstrumento

tendo caminhado um bom tempo
sem mão dada
sob o frio do céu nublado

no meio das inutilidades
encontrei deus

não me disse nada

tinha barba feita
e secava gelo
com um sorriso

26/06/2013

desoperação

faço um poema
atravessando a rua

ainda leve
a mente quer planejar, programar, verbalizar
mais leveza

o tempo me fascina:
a vida se confunde com sonho
fora da rotina

cruzo os braços orgulhoso

vergalhões de aço
andaimes
guindastes
cuidado:
desoperário em construção

18/06/2013

coletivo

não são os vinte centavos a mais
dos coletivos

é o pensar no coletivo

que não morreu
que não vai morrer jamais
e não precisa de líderes ou partidos

(foto: Tumblr - O que não sai na TV)

16/06/2013

foto-grafias

vou pelo caminho de sangue
pisando minhas próprias vértebras

(para onde?)

distrações me distanciam

recortes de paz distantes

foto-grafias

imagens internas
onde sorrio falso
mas fora delas
o vácuo de um cadafalso

vou flertando minha angústia
apressando dias vazios
vazando sentido

passo interrompido

mãos furadas
atravessadas
de areia

sigo saudoso da morte
cantando e aplaudindo
o silêncio desta voz tardia

em nenhuma palavra

vejo o cabelo da Deusa
nos cipós das árvores

ela resiste
apesar de tudo
apesar dos homens

andorinhas ainda enternecem o crepúsculo

o som de água
em algum lugar perto
ecoa meu silêncio

política

o Estado das coisas:
polícia para quem precisa
de melhores condições de vida

14/06/2013

castelos musgos

fundações ruem
sobre bases que cedem

ah, como enxuguei silêncio
com palavras

trabalho vão e frio
indo contra o feio

o vencedor:
o vazio

duas pontes

olhares
que não creem mais
em olhares

a lesma de tua língua
perdida em minha boca
não mastigo nem cuspo

mortos
ligados
pelo queixo

estátuas gigantes
se apoiando
sobre o abismo: antes

12/06/2013

dia dos afogados

eu me precipício:
gosto quando chovo
e morro quando gozo

vou dormir

o corpo se contorce em busca
quer mais que o apartamento sem gente
cheio de móveis
imóveis

esqueletos do tempo
lemas gastos
pastos brancos

troco letras e desejos
através de telas
por mãos que não se tocam

solidão e solidão
em caracteres inexatos

fatos frios
pratos limpos
copos tortos

paro a roda da fortuna
travo a roleta russa
deixo que ela tussa
quases sangues sêmens

é foda
mas adio

adio
o que não seja o vazio
pois a cura não é fora

11/06/2013

bem que se quis

mundo enorme
em que estranho estar

disforme

literal, preciso, nítido
desértico, populoso, artístico

com plexo transbordado
em toda parte
escorre arte

observo sem dizer um ai
estes céus de vanilla sky
das cinco da manhã

não mais ir
deitado no banco de trás
do carro dos pais

ser o Único herói
capaz de fazer
a criança crescer

num mundo frio de ar
sem casaco ou afã
sob um sol que amarela
através de catracas vãs

voo

10/06/2013

me duele el tango

piazzolla preciso
agudo
furando o chakra cardíaco

essa é minha vida:
só ouço os acordes da chegada
quando já é hora da partida

mas preciso calar a saudade
dos tangos que não dançamos

e dormir em paz
sobre nosso
nunca mais

domingo nublado

a boca do sol
abria e fechava
bocejando atrás das nuvens

e se as gaivotas forem mesmo
almas de pescadores que morreram no mar?

saudade do tédio
enquanto a água beija o ar

vou no ônibus bruto
acelerado

pra quê essa luta?

vida de poemas infinitos
casa sem espaço pra mim
nem tempo

e fora de casa
tudo longo
tudo longe

tudo toca demais

gente demais no mundo
gritando pra não ouvir
o silêncio

nos museus
apenas para ver
seus próprios eus
refletidos em arte
ou nos olhos das pessoas
que frequentam museus

deito pra fingir que durmo
de lado
sobre o plexo noturno
destroçado

Foto: Fabio Rocha (Museu de Arte do Rio - 9/6/13)

09/06/2013

de profundis

pescávamos tranquilos
com a isca do canto

e um cego soltava pipa na noite

mas
o peixe estranho
e as nuvens escondendo a lua
prenunciavam

a onda enorme

a onda
dos sonhos infinitos

o som da onda

o fim

*

descemos

silêncio

serenos

sereia

ela me dá a mão
e voamos na água
sobre um chão de céu:
estrelas do mar

arraias beijam flores
polvos gigantes em paz

tudo é grandioso
novo e esperado

até mesmo o sangue espalhado
da presa que caça o caçador

sangue necessário
rezado lado a lado

desço mais
atras do fascínio
salto em meu medo

tudo lento e profundo
no abismo do outro mundo
(mundo mesmo)

no escuro
ela me fecha os olhos
e em algum lugar
no mundo de cima
alguém olha o mar e a rima
sem se molhar

me salvo

vou por cidades submersas mortas
portas para estátuas sem forma
símbolos antigos do que não virá

pela caverna cruzamos
pela luz nascemos
batalhas perdidas no tempo

pelo beijo morremos
outros olhos
outros tempos
ela sobre as águas
chorando os retratos
que vivemos

mas sua mão agora
se abre em estrela
(a estrela vermelha que dorme em minha carne)

é tarde demais

nado sozinho
por caminhos errados
até
enfim
me tornar
o navio de meu sonho
desnaufragado

ser capaz de navegar o novo mundo
sem se perder da ilha
do nosso passado

uma casa no meio do mar
no meio do tempo

onde sempre haverá
você
um violoncelo
e uma luz acesa





08/06/2013

plenilúnia (contraste)

a minha morte
flui como rio de leite
no chão branco
do apartamento branco

escrevo letras negras
com pernas de aranha
sobre ladrilhos

semeio ela
(a minha morte)
no próprio seio
a cada fechar de janela

07/06/2013

poente sobre mario benedetti

Para Gabriela

preparo a mala
pra onde não vou:
amá-la mal

levo um violão
que também não sei
abraçar

trago um baú leve
com pânico vermelho
e vazio amplo

(as religiões
não salvam nem deus:
só salivam dogmas)

encho o tanque
do carro
de som

escarro na palma da planta
do jardim noturno
um passado taciturno

ignição

bebo
com
moderação

parto
sem
nascer

luto lúdico: novilúnio

luto
luto
luto
luto
perco

ganho
um novo
velho eu
(e a paz de Morfeu)

compreender não é seguir

cheguei perto do piso da vida a dois:
2 tédios, 2 concessões, 2 disputas
até que - puta que pariu - onde esqueci meu sorriso?

sem vida monógama
eu, polígono de infinitas mãos
lentamente me aproximo
da palavra curva

estrada aberta

força arcana

beijo o tempo
(meio bêbado)

sob a lua

toco
de leve
a borda da delícia

nua

(ela dança)

comprei 2 livros de Bukowski
para ler comigo
enquanto leio Bukowski
domingo

06/06/2013

sozinho

o vento fala aqui
o mesmo no deserto

a travessia da angústia:
único caminho perto
(sem colo ou carinho)

quebrar
os mesmos ciclos
eternos vícios
infindos choros

parar
esses erros e recomeços
com vontade bruta

luto e luta

a um passo de

normalíssimo, normalice

em todo lugar do trabalho
agora há mapas de rota de fuga
(desobstruídas)
mas não fujo

me olham tensos
urubus de terno

normas internas
controlando incêndios íntimos
adiando o inevitável

replanejamento
de projetos

a paz, mulher:
uma casinha branca de varanda
uma fazenda
uma conta bancária
ou estar onde se quer?

04/06/2013

roupas para secar

sujo minha poesia
em todo lixo que leio luxo

sujo prazerosamente

esdrúxulo minha poesia
com palavrões e ratos secos
becos fétidos

porque ela é do mundo

sujo tudo
mas silencio
aquele varal

aquele varal simples
com um lençol branco
convulsionando no vento

recomeço

sob estes novos astros
estranhamento:
ainda estar em meu centro

sob finos véus noturnos
toalhas por secar
mortalhas que virão

vivo

leve

duas pernas
dois braços
muitas vontades
e passos de prazer e dor
(opostos complementares)
para realizá-las

aqueço a liberdade na língua
amacio-a

tudo posso
naquilo que me fortaleço



03/06/2013

véspera da passagem

sol silencioso

descompasso acelerado:
aceitar
dualidades interinas

(melhor aprender a apanhar
do que vencer)

todas as coisas no modo
o mais triste possível

(é mais fácil chorar do que crescer)

- Está um lindo dia, Fabio.
- Está. Está um lindo dia.

02/06/2013

polvo ao molho parto

o último beijo
é um tiro de escopeta
(silencioso)
na alma sem escudo

no escuro

polvo
chupando
manga

não há grito que baste
que suplante
que supere
a pólvora no seio

(status de relacionamento: solteiro)

terror ácido e feio
meio de separar os (a)braços
de dois amantes reais
no meio da noite

negro e líquido nuncamais
a se espalhar lentamente
na água do olho

sem volúpia

salvo uma palavra que me salve
(salva de palmas)
saliva de violões vazios
cheios de som, sacrifício, saudade, desperdício...

olhos desertos
que se teimam
abertos

abertos ante o medo da grande noite
noite maior que todos
que a todos apaga a luz

quantas armas inúteis
ultratecnológicas
hiperverborrágicas
quanto tempo perdido com armas
facas, canivetes, espadas...

o que salva da noite
é o abraço
não o corte, a ferida

o oposto da morte
é o amor
não a vida

01/06/2013

polvo de novo

a manhã acorda
apesar de meu protesto

faz tempo
não lembro
um sonho

espalho-me pelo mundo
em tentáculos e palavras
que se esticam e espreguiçam
buscando crer e ser
por todos os lados

(verbo romper)

um bêbado buzina e grita
tenso na rua deserta
algo que não entendo

todos queremos ocupar mais espaço
porque o vazio do silêncio
nos apressa